22 - Diário em retrospecto: o último até logo (Guatemala #01)
O peso de cada partida também se sente na chegada.
25 de Junho de 2024
Aeroporto de Guarulhos
Eu tinha acabado de casar dois, dos melhores amigos que a estrada me deu. De quebra, em um final de semana memorável revi pessoas incríveis e conheci uma dezena de viajantes de longa data que sempre admirei: era a melhor forma de dizer até logo para o Brasil depois de quase 11 meses em terras tupiniquins.
Já havia voltado de uma grande viagem no ano anterior, e após um longo período de amor e crises em meu país, naquela quinta-feira a noite, uma aeronave me esperava para de uma vez cruzar todo um continente: ali cumpria mais um sonho. Viajar pela América Central.
Eu sempre fui tranquilo com despedidas e para mim era fácil partir. Mas naquele dia foi diferente. Depois de mais de 3 anos viajando sem voltar para minha terra natal, aquele último ano, de certa forma mais próximo de minhas origens, foi de apego. Mesmo ainda muito tempo em outros estados, consegui passar dias de qualidade com pessoas que amo e um Leandro um dia desapegado, se viu marejando na fila do embarque se despedindo num abraço fraterno do pai e irmão que ficavam. Eu não sabia muito bem o por quê sentia aquilo. Eu queria partir. Mas pela primeira vez, me vi num conflito com a escolha de deixar algo para trás.
Eu sei que jamais seria feliz ficando ali. Mas ao mesmo tempo, chorava indo embora. A minha liberdade não existe nas partidas. Ela mora na possibilidade do retorno.
Saudade é dor pra quem tem coragem.
— Tem passagem de saída? — Perguntava a atendente da companhia aérea ainda no portão de embarque. Já preparados para o festival de perguntas, da pasta do google drive lhe mostrava o pdf com uma passagem de ônibus indicando: Ciudad de Guatemala x San Salvador. Naquela madrugada fria de Junho, embarcava para a terra dos maias.
26 de Junho de 2024
Cidade da Guatemala, Guatemala.
— Já estiveram no México ou Estados Unidos? — Me perguntava, com meu passaporte em mãos e um olhar desconfiado, um oficial de migração guatemalteco que por sorte não leu em meu braço a tatuagem que em letras garrafais dizia:
LATINO
AMERICANO
Já era de noite. Entre voos, escalas e fuso horários já chegavam perto das 24hrs de viagem e a ansiedade de haver pousado em um novo continente já batia forte. Naquele instante éramos recebido pela (falta de) hospitalidade de uma rota migratória aos EUA: ali, qualquer um com a pele um pouco mais amarelada, um CEP duvidoso e um sobrenome latino já era suspeito para as autoridades. Ainda assim, das salinhas, interrogatórios e raio-x, qualquer tipo de antipatia que veríamos no país acabava por ali mesmo ao passar o último agente do governo.
Uma placa de bienvenido a Guatemala nos recebia na saída do aeroporto, as imagens de pirâmides maias e o endêmico pássaro quetzal ilustravam os outdoors dos estabelecimentos. Apesar do caos instalado no aeroporto internacional — que se assemelhava mais à uma rodoviária paulistana — aos poucos a primeira impressão do local ía sendo criada. Na espera de um táxi que me levasse para fora daquela capital um pouco intimidadora aos olhos de quem chega pela noite, uma porção de nachos com queso nos recordava que sim, chegamos na América Central! Os quase 50 reais gastos no injusto snack também anunciava que o país não seria tão barato quanto haviam nos prometido.
Às 20h00 partíamos da capital da em direção à Antigua, uma das primeiras cidades do país e a segunda capital histórica, que há alguns séculos havia sido destruída por um terremoto dando o posto de capital para a hoje metrópole Cidade de Guatemala, ou apenas guate para os locais. Pela escuridão das estradas mal iluminadas do país, um táxi acelerava entre ultrapassagens perigosas e curvas duvidosas em uma viagem curta e muito bem cobrada em dólares. Na estrada, as luzes mais fortes eram dos caminhões, chicken buses e tuk-tuks coloridos e piscantes nas ladeiras pela noite.
27 de Junho de 2024
Antígua, Guatemala.
Uma estado-unidense com um espanhol de duolingo nos recebia naquela que seria nossa casa durante os 10 dias pela cidade, dando um gostinho da gentrificação que ocorre não apenas ali, mas em toda a América Central, especialmente nas mãos dos expatriados da terra do Tio Sam. Sucrilhos, Waffles e outros hábitos norte-americanos estavam espalhados pelo pequeno apartamento. Nada de tortilhas, milhos ou abacate na nova colonização.
Apesar da estação chuvosa, aquela primeira manhã guatemalteca amanheceu ensolarada. No horizonte da terraço do nosso Airbnb uma fumaça despontava no céu, saindo do topo de uma montanha. Era o majestoso, e um dos mais ativos vulcões da Guatemala, o Fuego, que observava nossa chegada. Durante aquele mês, estaríamos sob o olhar e proteção da imensa cadeia de vulcões que rodeava as paisagens do país: dentre eles alguns dos mais perigosos da América Central e outros já adormecidos há séculos.
Era um misto de sensações: naquele momento o medo do novo me acompanhava. Longe de casa. Alguns choques de cultura e uma certa ansiedade do que encontraria pela frente. Sentimentos como esses ainda me atrapalhariam muito no país. É que quando viajar é nossa vida, carregamos em nossa bagagem medos, traumas e toda nossa história. Nessa hora, a mochila pesa mesmo aos mais experientes — já deixamos de viajar para fugir e passamos à viajar para nos encarar.
Mesmo com o receio que me acompanhava, o olho brilhava como se fosse uma primeira vez: e era! Eu havia chegado na Guatemala.
Observar para absorver
Estou num processo (presente frequentemente nas minhas viagens) de mergulho interno: é essa hora que pauso, diminuo meus estímulos de fora e começo à viajar para dentro. Não é fácil nem simples. Mas um ano depois de dar até logo pro meu país e às vésperas do meu retorno, preciso refletir um pouco sobre tudo o que vivi: por isso, decidi compartilhar aqui no substack através de uma série de textos num formato “diário em retrospecto” em que vou revisitando alguns dos momentos mais simbólicos e trazendo minhas reflexões atuais sobre lugares e sentimentos nessa temporada fora do país.
Comenta aqui embaixo se você gostar dos textos nessa forma e como é, pra você, refletir após uma viagem intensa! Essa newsletter é também um espaço de trocas e seria ótimo te ler :)
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Nos vemos en la próxima,
Hasta luego!


Que delícia ler esse texto (e que boa surpresa me ver ali no começo hahahah), me senti ali com vocês no choro confuso da partida, nervos na imigração e a chegada num novo lugar. E é importante fazer esse retrospecto, às vezes entendemos melhor depois que passou um tempo mesmo. Vai ser muito bom embarcar nessa jornada com você 💛
Amei a retrospectiva, me senti mergulhando um pouco nessas novas impressões sobre o país e amei demais ver uma fotinho com pessoas tão queridas - quase nos conhecemos pessoalmente haha, mas não pude estar nesse casório lindo :( animada para as próximas edições e conhecer um pouquinho mais da América Central!